#11 Trop Drops | Raízes Futuristas
Entre Alok e a Disney, passando pela demarcação de terras brasileiras, nunca pensamos tanto o futuro a partir do passado.
Trop Drops é um conteúdo mensal para nossos assinantes acompanharem sinais de comportamentos emergentes a partir do Radar de Tropicalização - metodologia exclusiva de Trop para mapear e localizar tendências, que você pode conhecer em detalhes aqui :)
“O futuro é ancestral e a humanidade precisa aprender com ele a pisar suavemente na terra.” Ailton Krenak
Saber de onde viemos faz parte da descoberta de quem somos. Se para você as descobertas das suas raízes ainda não foi pauta de pesquisa e de conversas, saiba que esse é um assunto cada vez mais evidente – e talvez a sua hora chegue agora, com essa motivação. E isso é pista do amplo fortalecimento de uma das tendências apresentadas no report Trop 2023 e que hoje se mostra com maior expansão desde então, e que chamamos de Raízes Futuristas: a busca das origens e o reconhecimento das raízes frente a um mundo que se abre para novas narrativas.
Falar de ancestralidade nunca foi tão contemporâneo, e o entendimento dos saberes absorvidos a partir desse processo de imersão no passado nunca foi tão futurista: em meio ao contexto de caos e incertezas como se mostra o espírito do tempo atual, ter certezas no passado é uma forma de se apegar à solidez do que já existiu para resistir à incerteza do que virá. Mas para além da descoberta dessas raízes, o movimento que falamos hoje reivindica a visibilidade e a validação de culturas que foram soterradas, negadas e invisibilizadas pelo modelo violento de colonização do Brasil: a indígena e a de matriz africana.
Por isso que, olhando para a frase que abre a discussão de hoje, o que nos provoca Ailton Krenak a partir de uma visão decolonial, é a necessidade de abraçar tudo o que se passou antes de nós e da nossa “miscigenação” para saber direcionar um futuro mais identitário, menos genérico, sob a perspectiva tropicalizada que tanto falamos aqui. Krenak, inclusive, é símbolo de uma das maiores evidências do crescimento dessa tendência: a visibilidade conquistada pelos povos originários brasileiros nos últimos anos. Escritor, poeta, filósofo, ambientalista e autor de diversos best-sellers internacionais, entre eles o citado “Futuro Ancestral”, é hoje considerados um dos maiores nomes das lideranças indígenas no país, e recebeu em outubro de 2023 o título de Imortal da Academia Brasileira de Letras – um lugar de tradições euro centradas, sendo o primeiro indígena a ocupar uma cadeira.
Dos debates acadêmicos diretamente para as raves psicodélicas, em um plot-twist inesperado, o título do livro de Krenak foi a inspiração para o mais recente álbum do DJ brasileiro Alok, “The Future Is Ancestral”. Lançado em abril deste ano, o álbum contou com a colaboração de diversos artistas de 8 etnias indígenas. O objetivo dessa fusão cultural foi justamente tornar o canto ancestral fonte de inspiração para as novas gerações. O tipo de feat que só poderia acontecer no Brasil.
O marcador social definitivo desse termômetro quentíssimo veio com o terceiro governo Lula, marcado pela abertura de um novo ministério, o dos Povos originários, tendo Sonia Guajajara como primeira ministra indígena do Brasil a partir de 2023. A política foi um dos últimos lugares a ser ocupado pelos povos indígenas. E agora que eles chegaram, não tem mais como negar que o destaque para a ancestralidade deixou de ser tendência e já se tornou realidade concreta.
Com base em tudo isso, certamente será necessário atualizar as previsões do nosso Radar de Tropicalização, que agora espelha uma tendência mais latente e fica configurado desta forma:
Uma das observações mais interessantes a se fazer dentro desta variável está na Indústria Cultural e Entretenimento Global.
Primeiro, temos o filme musical Encanto, uma produção da Disney direcionada ao público infantil, que tem como protagonista a Família Madrigal, uma família latina da Colômbia. O fato de ter a cultura latina familiar no centro de uma temática dos estúdios Disney (com as maiores cifras mundiais em animações) por si só já é sinal de ascensão de culturas de terceiro mundo – aqui se comparando com um paradigma colonial global. Mas o mais interessante de analisar neste filme está na explicação metafórica do papel da genealogia familiar na formação da identidade desta família.
Outro exemplo de sucesso na indústria cultural global é a série original Netflix “Cidade Invisível”, que contou com 2 temporadas – e o seu diretor ainda planeja atualmente um spin-off. A série introduziu figuras lendárias do folclore brasileiro e suas histórias em narrativas policiais contemporâneas, trazendo uma nova roupagem a personagens como o Saci-Pererê, a Cuca e o Boto Cor-de-rosa. Aqui percebemos a força que pode ter a atualização de narrativas ancestrais, passadas de geração em geração, para gerar pontos de familiaridade entre pessoas que compartilham a mesma cultura.
Quando trazemos essa tendência especificamente para o Brasil, percebemos o quanto ela está a um passo de se tornar pulsante: aqui a temperatura do tema está aumentando cada vez mais rápido.
Não à toa, a procura pelos chamados “testes de ancestralidade”, o exame de DNA capaz de mapear de quais locais do mundo provavelmente vieram os seus genes, aumentaram em mais de 1000% nos últimos 3 anos aqui no Brasil.
A isso se soma o fato de que as raízes antes negadas no país vem ganhando status de reconhecimento internacional, o que faz um carinho nosso ego brasileiro com complexo viralatista.
Salvador é a nova capital de Wakanda: a cidade com maior população negra fora da África é o novo pólo mundial da cultura diaspórica africana, escolha de artistas internacionais para eventos-chave de narrativas de afirmação identitária raciais.
Primeiro, Beyoncé aterrissa na cidade e aparece de surpresa na festa “Club Renaissance” para a estreia global de seu filme musical “Renaissance: A Film by Beyoncé” – o que acontece sob olhares incrédulos de todo o mundo, pois foi feito em absoluto segredo e se torna um dos temas mais comentados em poucas horas. A cantora afirmou no evento que a escolha de Salvador para esse momento foi feita para afirmar e honrar suas raízes negras, o que ela vem reiterando desde seu álbum “Lemonade”.
Logo depois, seguindo o exemplo de Queen B, Rihanna escolhe Salvador para lançar no Brasil a Fenty Skin, sua marca de skincare, vendida na Sephora. Para isso, foi criada uma inserção digital feita por Inteligência Artificial, de um caminhão derramando produtos em algumas das ruas mais conhecidas da cidade.
Mas é no cotidiano que as conversas chegam mais quentes, mais tangíveis – e com terreno fértil para reflexão.
Saindo dos produtos culturais globais e chegando à Indústria Cultural e Entretenimento Local, vamos falar de batuque? A musicalidade nacional é atravessada pela origem de matriz africana, marcadas por atabaques e percussões, e deixou de se esconder atrás de outras religiões – e outros gêneros musicais. Se você ainda não conhece, vale conhecer o “Samba de Caboclo”: festa que tem rodado o país e viralizado nas redes sociais, onde as protagonistas são músicas de candomblé e umbanda (ou inspirações e variações destas), e onde o racismo religioso não tem vez.
INICIAMOS COM A CELEBRAÇÃO DA VISIBILIDADE DOS POVOS ORIGINÁRIOS...
E para eles retornamos ao refletir sobre uma das pautas políticas mais discutidas em 2024: o marco temporal, evidência de avanço na variável das Regulamentações em torno da tendência.
O Marco Temporal é uma tese jurídica que propõe que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estavam ocupando na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Com isso, o objetivo seria limitar novas demarcações de terras indígenas. O que se discute é justamente a ancestralidade da ocupação da terra e, a partir daí, quem seriam os seus donos por direito.
O novo olhar para a ancestralidade fala sobre a urgência de se reconhecer na história e continuar um legado que nasce a todo tempo e se mantém vivo no pulsar da existência cotidiana. Esse movimento convida o mundo a contemplar novas narrativas que celebrem as diferentes histórias e existências.
Além disso, em uma realidade onde as perspectivas de futuros se tornam cada vez mais imprevisíveis e muitas das certezas são colocadas à prova, o indivíduo olha para si mesmo para encontrar estabilidade e significado na própria existência. Marcas, produtos e serviços que potencializem esse mergulho do consumidor em sua ancestralidade ganharão relevância por fomentar uma busca que tem feito cada vez mais parte dos processos de afirmação identitária dos indivíduos.
RESGATE HISTÓRICO: O contato com a ancestralidade assume diferentes facetas, que vão das tecnologias de cura a partir do mapeamento genético, à soluções mais cotidianas que evidenciam os saberes ancestrais, como no Setor de Alimentação, por meio de ingredientes e rituais culturais.
Com variáveis de Imaginação elevados e sinais de Apropriação expressivos, o desafio para marcas que queiram se conectar com a tendência é fomentar a Identificação.
EU SOU DE ONDE EU VIM: Mais do que desenvolver storytelling e encantamento, colocando a ancestralidade no discurso, o Radar de Tropicalização indica que é importante aproximar o assunto de forma mais prática e didática do público, traduzindo a existência do passado no presente corrente dos públicos através de produtos e serviços.
No setor da Beleza, ingredientes proprietários são misturados a narrativas antigas para criar produtos novos com demandas contemporâneas. Um dos exemplos é a inspiração para o Natura Ekos Ryos, duas fragrâncias criadas com ingredientes exclusivos inspirados nos povos e no bioma amazônico, que busca traduzir no seu storytelling o aroma dos rios e o cheiro da chuva nas suas margens. Com isso, a marca ainda gera visibilidade para a proteção ambiental, deixando como legado esses ingredientes e aromas que serão registrados para o futuro, independente da sua preservação.
Um exemplo de comunidade que busca raízes negras fora da África:
Afropunk: um local de diáspora da arte preta.
Uma plataforma de visibilidade da música, arte visual, beleza, moda e ativismo, que nomeiam o maior festival de música negra do mundo. Hoje com edições internacionais em Miami e Minneapolis, o Afropunk surge em 2021 em Salvador/BA e este ano acontece sua 4ª edição.
Olhar para trás nunca disse tanto sobre olhar para frente.
Revisar e revitalizar o passado passou a ser mais interessante, e conforme o passado ganha nova relevância, o tempo se torna menos linear e termos como “futuro” e “progresso” passam a ser interpretados de maneiras diferentes.
TROP - sinais de um futuro tropical, latino e circular
Perfeito!
Muito bom!