#01: A ERA ANTI GOURMET
O que The Bear, Casimiro Miguel e a trend #girldinner têm em comum?
Bem-vindos à 1ª edição da nossa newsletter!
Estamos orgulhosos em abrir este novo canal de conteúdo exclusivo. Aqui, você vai encontrar tendências, cases inspiradores e insights de negócios traduzidos de uma forma prática. Queremos ouvir vocês e tornar esta newsletter uma experiência coletiva, então deixe comentários, dúvidas ou sugestões no nosso Substack.
Trop Drops é uma newsletter mensal que te mostra os sinais do amanhã a partir de comportamentos emergentes mapeados com o Radar de Tropicalização
— a metodologia exclusiva de Trop para localizar e tropicalizar tendências.
Indicada para 13 Emmys e eleita por muitos [e pelo The Guardian] como a melhor série de 2022, The Bear conta a história de um renomado chef de cozinha que trabalha no melhor restaurante de Nova York até que recebe a notícia de que seu irmão se suicidou, deixando como herança a antiga lanchonete da família em Chicago. Ele assume então o restaurante familiar, e a série mostra o processo de transformação pessoal do chef e seus colegas, ao mesmo tempo que mostra a vida sem glamour de uma cozinha. E aqui temos um primeiro sinal emergente: a cozinha asséptica, com música clássica onde tudo flui que constantemente víamos na TV, dá lugar a uma cozinha caótica e — pasmem — real.
Mas, vamos continuar…
Em outubro aconteceram os Jogos Pan-Americanos no Chile, com transmissão exclusiva da CazéTv, canal do streamer Casimiro Miguel na Twitch e Youtube. Contrariando todas as coberturas esportivas de grandes veículos, a transmissão de Casimiro vinha em tom de resenha, torcida, e nem sempre informação técnica. Durante a competição de baseball, em que Brasil e Colômbia disputavam medalha, a surpresa é que nem o público e nem os apresentadores pareciam entender direito as regras do jogo. Houveram críticas e o próprio Casimiro comentou sobre isso:
"Fiquei incomodado quando foi para o beisebol e a gente não sabia o que estava acontecendo. É uma m..."
Independente de críticas, o fato é que o público do streamer não estava lá muito preocupado com as regras. E aqui temos mais um sinal emergente: transmitir o maior evento olímpico do ano não é mais sinônimo de profissionais gabaritados e letrados em todos os esportes. São pessoas ~reais~ que gostam de esporte mas deixam muito claro que não sabem tudo.
Saindo do mundo dos esportes e entrando no mundo TikTok, chegamos na trend #girldinner.
[e aqui um disclaimer: assista os vídeos com som, mas saiba que a música ficará na sua cabeça o resto do dia]
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A trend #girldinner rompe com o estereótipo de mulheres comendo refeições leves e saudáveis, fazendo um contraponto com trends passadas como #cleangirl ou #thatgirl, que reforçam a associação entre feminilidade e alimentação fit.
A #girldinner surgiu em junho no TikTok e até o momento já conta com mais de 213mil vídeos, totalizando mais de 2bilhões de visualizações.
É importante frisar que há uma série de debates sérios associados a essa trend e à normalização de distúrbios alimentares. Você pode ler um pouco sobre isso aqui, e aqui. Mas na nossa discussão o ponto é menos sobre o que as pessoas estão comendo ou deixando de comer, e mais sobre esse movimento no qual deixamos de postar jantares instagramáveis em restaurantes incríveis e passamos a mostrar aquele miojo feio servido no prato na pia - nosso 3º sinal emergente.
So What
The Bear, Casimiro e GirlDinner são sinais que apontam para um movimento que chamamos de Era Anti Gourmet, na qual a sociedade abre mão de uma narrativa de perfeição e passa a assumir a narrativa do real e possível.
Essa tendência foi mapeada a partir do Radar de Tropicalização, na qual analisamos comportamentos emergentes a partir de 3 etapas e 21 variáveis. A partir desses indicadores é possível trazer mais granularidade para os sinais de futuro e, com isso chegar em insights mais acionáveis.
Vamos ver no detalhe como isso se manifesta:
✷ Imaginação: 5/10. Nível emergente.
Imaginação é a etapa onde entendemos a força da tendência no imaginário coletivo, por meio da análise das 7 variáveis que ajudam a criar desejo e relevância para um tema.
A Era Anti Gourmet é uma das tendências emergentes mapeadas por Trop com um dos maiores níveis na etapa de Imaginação. Isso significa que esse comportamento está muito aparente no espírito do tempo.
Muito disso está conectado com a vida pós pandemia, que escancarou o mito da perfeição e agora nos brinda com uma sociedade cada vez mais ansiosa e mentalmente problemática.
Dentre as variáveis que medem o nível de Imaginação, temos duas em nível pulsante - ou seja, apresentam muitas evidências. São elas: A1 Indústria Cultural e Entretenimento Global e A3 Mídia e Imprensa. Ambas são variáveis de narrativa, ou seja, ajudam a propagar o conceito desse comportamento, potencializando a disseminação.
Produtos culturais como a série The Bear citada acima, ilustram essa ideia de uma sociedade que está cansada de performar e está buscando no entretenimento o espelhamento da vida real: imperfeita e não gourmetizada - como a trend do #girldinner. Indo um pouco além, é possível conectarmos a não gourmetização dos fatos com a exposição de “fracassos”. Acontececimentos que encondíamos, de repente passam a ser conteúdo. Um exemplo é a música da Shakira expondo a traição do ex-marido. Anos atrás, provavelmente ela não traria isso à tona com tamanha convicção.
Todo esse imaginário coletivo de uma vida imperfeita ganha impulso quando o dicionário de Oxford traz a palavra gobbling mode como o verbete do ano 2022. A palavra que representa um tipo de comportamento que é assumidamente auto-indulgente, preguiçoso.
» Abraçar o desleixo: ‘goblin mode’ é termo do ano segundo Oxford
Essa não glamourização vai ganhando força a partir de novos ícones [Julia Fox], novas plataformas [BeReal] e até mesmo novas atitudes [o quiet quitting]. E é aí que passamos a olhar para esses sinais aqui no Brasil…
✷ Identificação: 3/10. Nível embrionário.
Identificação é a etapa onde entendemos a conexão da tendência com o contexto local (nesse caso, Brasil) por meio da análise das 7 variáveis que medem o entendimento e experimentação. Aqui, começamos a compreender melhor a TROPICALIZAÇÃO da tendência, ou seja, sua modulação no contexto. Se em Imaginação observamos códigos globais, aqui aterrissamos para o cenário local.
Enquanto no imaginário coletivo a vida menos gourmetizada ganha espaço, quando a gente traz para o contexto local observamos que a tendência está menos aparente. Ou seja, as pessoas estão consumindo essa ideia, mas ainda estão entendendo como colocar isso na prática. E uma diferença é que ao contrário da etapa anterior, não temos nenhuma variável no nível 3 - pulsante.
Por aqui, as evidências dessa tendência aparecem principalmente a partir de pessoas, tangibilizado no radar pelas variáveis B1 Tradutores Locais e B3 Comunidades.
Ao falar de comunidades que incentivam a vida sem filtro - ou menos gourmetizadas - entramos em um universo amplo, que abarca do mundo profissional ao srestaurantes da esquina. Com diferentes naturezas, o que chama atenção é a a busca do coletivo em naturalizar a vida real.
Um desses exemplos são grupos no Facebook [sim, eles ainda existem] criados com a finalidade de enaltecer comidas feias. Com mais de 100mil pessoas cada, esses grupos contam com atividades intensas na qual, ao invés de receitas premiadas e pratos instagramáveis, as pessoas compartilham o quão feia uma comida boa pode aparentar:
O compartilhamento de pratos não tão bonitos assim contrasta com uma cultura de perfeição que permeou as redes sociais nos últimos anos, munida por conteúdos que precisavam ser quase profissionais. Por sinal, nesse momento anti-gourmet, até mesmo a busca de ring light diminuiu: ou todo mundo já tem, ou talvez a gente começou a entender que nem todo foto precisa ser de estúdio…
Saindo do coletivo, a tendência vem ganhando expressividade a partir de tradutores locais - pessoas que dentro dos seus nichos ajudam a propagar esse comportamento. E aqui, novamente, diversos segmentos são contemplados.
E um exemplo recente é o criador de conteúdo @alissonspitzer, morador de Ponta Grossa -PR que até pouco tempo trabalhava em um mercado local atendendo ao público. Alisson recentemente viralizou e o que chama atenção é a natureza simples e real dos seus vídeos, mostrando sua vida cotidiana - como as refeições com os pais e as comprinhas no mercado.
Alisson já chamou atenção de grandes marcas - como Burger King e Google - e conta hoje com uma comunidade de fãs engajados, que movimentam as redes do criador com comentários carinhosos e muitos reacts.
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Vamos entender agora como a tendência aterrissa na prática…
✷ Apropriação: 2/10. Nível embrionário.
Apropriação é a etapa onde medimos variáveis que analisam a familiaridade e proximidade da tendência junto ao contexto local, fatores essenciais para possibilitar a reinterpretação com códigos locais.
Quando a gente analisa a Era Anti Gourmet pelo viés da apropriação, vemos que ainda que as pessoas se conectem e se identifiquem com esse mindset, há um longo caminho para essa tendência de fato ser apropriada. Ou seja, olhando para o contexto Brasil, as pessoas ainda estão entendendo como se desvencilhar das amarras da perfeição. Isso significa que “até me identifico com o Alisson, mas ainda não me sinto prontx para postar algo sem filtro”.
Por isso, muitas das conversas ligadas à essa anti gourmetização acabam surgindo associadas à algum personagem em evidência, através do qual eu testo a elasticidade das minhas redes sobre sua aceitação. Um exemplo disso foi o caso Amanda, no BBB23, que teve como uma das suas marcas registradas o fato de dançar muito mal em um mundo onde todo mundo é dançarino profissional de TikTok.
É aqui, em apropriação, que podemos citar também o Casimiro. De maneira leve e descontraída, o streamer vem arrecadando prêmios e recordes de audiência em diferentes plataformas, justamente por quebrar a expectativa do que se espera de uma celebridade. Com lifestyle discreto e comentários que poderiam ter sido feitos pelo seu amigo pessoal, Casimiro atua quase como uma chancela da vida normal, validando comportamentos e pensamentos que a gente tinha mas não ousava transmitir por medo de ser, sei lá, normal demais.
TÁ, MAS E AÍ? O QUE A GENTE FAZ COM ISSO?
A partir dessa análise breve, podemos ver a tendência se manifestando em diferentes esferas e compreender como ela se cruza com diferentes universos.
Mas tem um ponto fundamental sobre ela: se você voltar lá no radar, poderá observar que em todas as etapas, a tendência apresenta baixo índice de aderência em relação às variáveis de mercado. Ou seja, é um tema que já permeia o imaginário coletivo, mas que falta aplicação de mercado.
» Enquanto as pessoas buscam desesperadamente conteúdos e conversas que enalteçam a vida real, o mercado continua propagando ideias, produtos e imagens de perfeição.
E é justamente aqui que algumas marcas sobressaem e podemos ver gaps de oportunidade.
Um exemplo emblemático é a indústria da moda, que vive a partir de um imagético curado, que pouco se conecta com o que a consumidora, de fato, se assemelha ou vive.
Não à toa, quando Shein chega e cria um modelo que incentiva o review dos usuários, proporcionando uma experiência mais real de avaliação de produtos - ganha a confiança e apreço dessa consumidora.
Outro exemplo é a Sallve, marca de cosméticos nativa digital brasileira, fundada em 2019, e que desde o início primou por uma comunicação direta, transparente e com peles reais. Hoje, até parece algo básico, mas é só olhar para grandes marcas tradicionais do segmento para ver o quanto a comunicação de dermocosméticos ainda usa recursos de edição de imagem e modelos perfeitas para vender produtos antiacne para adolescentes…
Por que a trend era anti gourmet é estratégica para as marcas no Brasil?
Ela é estratégica porque é uma tendência que tem nível emergente no imaginário coletivo [ou seja, as pessoas estão envoltas nesse storytelling], mas que ainda tem baixo nível de identificação e apropriação [ou seja, as marcas não estão respondendo].
E se por um lado há um consumo expressivo de conteúdo significativo ligado a vida anti gourmet, quando o assunto é produto, a oferta fica bastante restrita à marcas menores e empreendedores independentes. Há espaço portanto para que marcas mainstream peguem carona no movimento, propondo alternativas comerciais de maior escala. E ao se apropriarem desse território, serão pioneiras em um movimento emergente conectado ao espírito do tempo.
Além disso, é um tendência com alta aderência em 3 gerações: Z, Y e X, indicando que é um comportamento além de nicho e que por isso tem força de reverberação para diferentes segmentos e produtos. É importante, claro, que haja uma modulação sobre como trabalhar isso para cada público, mas o fato de ressoar entre diferentes gerações, indica a força do comportamento junto ao espírito do tempo.
Como colocar a tendência na prática?
A Era Anti-Gourmet é um convite para aproximar marcas e pessoas, num diálogo mais real e conectado com o dia a dia. Da comunicação ao modelo de negócio, a tendência oferece margem para uma nova dinâmica mercadológica, com potencial para ampliar a conexão com os consumidores e possibilitar novas formas de atuação:
⟶ Comunicação:
Da publicidade à embalagem, a comunicação das marcas evidencia produtos perfeitos, vidas perfeitas, peles perfeitas e por aí vai [você já viu como em propaganda de carro, os semáforos sempre estão abertos?]. Ao trazer a tendência anti-gourmet para a comunicação, é possível mudar a chave do discurso apresentando uma abordagem mais conectada com a realidade e fomentando conversas sobre os ciclos de produto.
é menos sobre o perfeito e asséptico, e mais sobre o real e possível.
é menos sobre imagens 3D ou estúdios, e mais sobre conteúdo gerado pelo usuário.
é menos sobre chancelas técnicas [99% dos dentistas aprovam] e mais sobre os bastidores de fabricação.
⟶ Produto:
Marca nenhuma vai sair por aí falando mal do seu produto. E nem é isso que a gente espera ou recomenda. Mas a partir da análise do Radar de Tropicalzação a gente enxerga a oportunidade de aproximar os produtos da realidade das pessoas, apresentando-os de maneira mais real.
Isso significa por exemplo falar da variação de sabor que um produto pode ter em função dos ciclos de produção. Ou que as costuras podem ter algumas variações por terem sido feitas por pessoas. Ou ainda, substituir claims genéricos [99% mais ferro] por claims mais conectados com o vocabulário e entendimento do consumidor.
Um exemplo batido, mas extremamente didático, é a campanha premiada do Burger King, que mostrava um Whopper apodrecendo e mofando, e assinava com “a beleza de nenhum conservante artificial”.
⟶ Modelos de Negócio:
Num mundo que preza por conveniência e produtividade de maneira quase doentia, a cadeia produtiva e logística muitas vezes é invisibilizada. Ninguém se importa com quantas horas o motorista do caminhão dormiu para que seu produto chegasse em menos de 24 horas.
Ao trazer a ideia de anti-gourmetização para o modelo de negócio, pode-se propor novas dinâmicas de consumo e produção, valorizando os bastidores de todo esse aparato comercial existente para fazer o consumidor ter acesso ao seu produto.
Vale lembrar que o consumidor não espera perfeição, mas exige transparência.
Uma pergunta que a gente ouve sempre que fala de alguma tendência é: quando isso vai acontecer?!
E o que a gente sempre responde: ISSO JÁ ESTÁ ACONTECENDO.
Em Trop, acreditamos que o futuro não é uma linha e chegada a ser cruzada, como algo distante que de repente nos encontra. O futuro é o reflexo daquilo que vivemos hoje. Portanto, os sinais emergentes são evidências atuais que indicam para a consolidação de comportamentos do amanhã. Algumas tendências, mais embrionárias, levam mais tempo para se consolidar. Mas, uma vez monitorada pelo Radar, é prova de que o comportamento já está no subterfúgio social, permeando em diferentes esferas e, por isso, oferece uma boa oportunidade para marcas.
Quem espera a tendência se consolidar para agir, corre o risco de perder o timing. Portanto, se o futuro já está sendo desenhado, seu plano de atuação também precisa ser.
que conteúdo INCRÍVEL!! adorei a primeira edição e ja to na expectativa pelas próximas
Parabéns, pessoal!
bem legal ficar sabendo um pouco sobre a metodologia que vcs usam