#02: CRONOLOGIA 2.0
O que o Spotify, o almoço da firma e o coreano que adoramos têm a nos dizer sobre a relação da sociedade com o tempo.
Trop Drops é um conteúdo mensal para nossos assinantes acompanharem sinais de comportamentos emergentes a partir do Radar de Tropicalização - metodologia exclusiva de Trop para mapear e localizar tendências, que você pode conhecer em detalhes aqui :)
Na edição de hoje:
💡 O que o Spotify, o almoço da firma e o coreano que adoramos têm a nos dizer sobre a relação da sociedade com o tempo.
Tinha um tempo que a gente sabia que era hora do almoço porque o escritório esvaziava e tinha fila na catraca. Num mundo de trabalho remoto, com times globais que inclusive almoçam em fuso-horários diferentes, a hora daquele PF já não é tão óbvia assim.
Tinha um tempo em que a gente sabia que o final do semestre estava acabando porque os corredores da universidade ficavam vazios. Hoje, com tantas aulas online e cursos gravados e assíncronos - self paced eles disseram - já não funciona bem assim.
E claro, não dá pra não falar sobre o tempo que a gente sabia que o Natal chegava pelas vitrines no shopping e pelo momento clássico da televisão brasileira no qual o Bonner e a Nazaré apareciam cantando “hoje, é um novo dia”. Mas em um momento em que muita gente compra tudo sem nem pisar num shopping, e que muita gente nem olha mais tv ou fica no Tiktok na hora dos comerciais, talvez os ~antigos~ sinais do Natal já nem sejam notados.
E a gente está trazendo tudo isso porque o almoço, o Natal, o final do semestre, fazem parte de rituais sociais que nos ajudam a mensurar o tempo. Como diz o coreano que a gente gosta muito por aqui - o Byung-Chul Han - em O Desaparecimento dos Rituais:
“Rituais são ações simbólicas. Transmitem e representam todos os valores e ordenamentos que portam uma comunidade. Geram uma comunidade sem comunicação, enquanto hoje predomina uma comunicação sem comunidade.”
Nessa sociedade sem comunidade, os rituais coletivos que marcam o tempo parecem se desfragmentar, transformando nossa percepção sobre horas, dias, anos [inclusive, esse artigo aqui traz uma análise rica sobre a correlação entre memória autobiográfica e a memória coletiva.]
Mas - atenção! - isso não significa, que a gente não está marcando tempo. Aliás, se tem algo que a gente faz hoje em dia é marcar tudo - de mood à food tracker, o que não faltam são jeitos de ir marcando xis nos dias passando… Só que agora os marcadores são outros - e bem mais individuais. E é bem provável que você também esteja percebendo o tempo por eles.
Começando com um clássico:
Dia 01/12. O dia que a gente descobre que o chefe escuta João Gomes, que a mãe do amigo ama Armandinho e que a moça do financeiro está entre as top 4% fãs do Podpah.
O dia que o Spotify lança a retrospectiva deixou de ser apenas uma ação de marca gigantesca [que por sinal está disponível em 170 mercados e 35 idiomas], para se tornar um marcador de tempo no calendário atual, nos ajudando -assim como Simone fazia - a assimilar que o final de ano chegou. O Wrapped do Spotify é branding, mas o fato dele ser tão esperado, tal qual uma data comemorativa, faz a gente entender isso como um sinal de um novo comportamento.
Mas sabemos que nem só de Spotify se faz um calendário. Afinal, hipsters por aí dirão que só escutam vinil e que sua retrospectiva no streaming não é fiel. Mas mesmo pra eles, há outros marcadores: de repente, a gente já não se dá conta que o dia passou pelo sol lá fora, e sim por conta daquele reloginho que insiste em te dizer que está na hora de se mexer, pois você está sentado há muitas horas. Ou que está chegando a hora do almoço por causa da notificação do Ifood. Ou até mesmo que ao invés de 13 páginas, faltam 6min para terminar o capítulo…
Tudo isso pra dizer que essa é uma sociedade que provavelmente não sabe mais em que fase da lua estamos - marcador que foi tão importante durante séculos - mas que sabe exatamente qual o seu melhor pace no Strava ou quantas horas passou no Instagram ontem.
Seja qual for seu marcador, a sensação geral é uma só: parece que o tempo está passando diferente.
E como a gente sabe que vocês gostam de dados, um número interessante:
🎲 63% dos consumidores latinos sentem que seus horários e compromissos andam em descompasso com as pessoas em sua volta. E esse número aumenta para 69% quando falamos de Geração Z.
Fonte: Trop Trends 2023 - 1650 casos (Brasil, México e Colômbia)
O que isso tudo nos diz?
A retrospectiva do Spotify, o smartwatch que calcula o dia em passos, o kindle que transforma o livro em porcentagem, são exemplos de novas formas de marcar a passagem tempo. E são também sinais que apontam para esse comportamento emergente que chamamos de Cronologia 2.0, que fala sobre a nova relação com o tempo da sociedade atual e que por consequência traz uma reinvenção dos marcos de vida e suas celebrações.
Essa tendência foi mapeada a partir do Radar de Tropicalização, na qual analisamos comportamentos emergentes a partir de 3 etapas e 21 variáveis. A partir desses indicadores é possível trazer mais granularidade para os sinais de futuro e, com isso chegar em insights mais acionáveis.
Abaixo, vamos olhar etapa por etapa:
IMAGINAÇÃO: 3/10 nível embrionário
Imaginação é a etapa onde entendemos a força da tendência no imaginário coletivo. Para isso, analisamos e medimos 7 variáveis que ajudam a criar desejo e relevância para um tema.
Esse é um comportamento que ainda está começando a ganhar tração no imaginário coletivo. Ou seja, as pessoas começam a ver, perceber, desejar, mas ainda faltam endereçar. É algo que paira no ar, mas que estamos aprendendo a dar nome. Por isso, dentre as 7 variáveis que analisamos e medimos, a maior parte está em estágio inicial. Mas entre elas, uma se destaca: A.7 Marcas e Plataformas Globais.
Se o tempo coletivo está descompassado, no individual vamos encontrando novas alternativas para dar sentido ao ritmo que vivemos. E não à toa, são essas plataformas tecnológicas - que primam pela experiência do usuário de forma micro - que vão criando essas novas percepções e convenções temporais.
Um exemplo emblemático desse novo medidor é o aviso - quase constrangedor - da Netflix. O “você ainda está assistindo?” não é um número, mas é um código global que deixa claro que uma quantia de horas considerável se passou.
E essa busca por novos marcadores aparece em outra plataforma global: o Pinterest. No seu relatório de previsões 2024 foi apontada a crescente de pais querendo compartilhar mais as conquistas e momentos dos filhos. Segundo eles: “famílias tomadas por uma aceleração visceral, vão tentar novos motivos para marcar o tempo, com rituais diversos”:
Pinterest Predictions 2024 - disponível em https://business.pinterest.com/pt-br/pinterest-predicts/2024/inchstones/
Se pensarmos que as famílias estão cada vez menores, e com isso os marcos coletivos de celebrações diminuíram, faz sentido que a gente esteja buscando mais formas de marcar o tempo. Se já não temos 27 primos pra festejar, talvez precisemos de 27 outros motivos para reunir a pequena família e manter o ritual coletivo de encontrar e celebrar os dias.
Portanto, o que parece uma histeria coletiva por festas, talvez seja apenas uma busca por dar significado ao tempo.
IDENTIFICAÇÃO: 3/10 embrionário
Identificação é a etapa onde analisamos e medimos o fit da tendência com o contexto local - que nessa análise é considerando Brasil. Para isso, analisamos 7 variáveis que medem o entendimento e experimentação. Aqui é onde começamos a compreender melhor a TROPICALIZAÇÃO, ou seja, a modulação da tendência conforme o contexto. Se em imaginação observamos códigos globais, aqui aterrissamos para o cenário local.
Quando a gente analisa os sinais fazendo um zoom in no Brasil, encontramos um indicador de comportamento que está sendo percebido de forma semelhante na lente global e local. E comportamentos similares entre culturas sinalizam algo que está muito conectado com o espírito do tempo da sociedade como um todo, e que portanto é interessante de marcas observarem e agirem.
Voltando ao Radar com foco em Brasil, não temos variáveis pulsantes, mas temos variáveis em nível emergente. E uma delas é a variável B.2 Mídia e Imprensa Local.
É justo a gente falar que a mídia sempre foi uma forma de marcar o tempo: quem nunca se balizou pelo horário da novela, o horário do jogo do brasileirão… Mas hoje, tem um fenômeno diferente, que justamente traz essa ideia do tempo coletivo x individual. Ainda é sobre mídia, mas é sobre o meu ritual com a mídia.
E um exemplo curioso é a relação com os podcasts matinais. Pra elencar um deles, vamos falar do Café da Manhã da Folha, o 3º podcast mais ouvido no Brasil em 2023.
O podcast é disponibilizado todo dia às 5h. Mas diferente do Jornal Nacional, cada pessoa escolhe em que momento faz sentido escutar. Talvez você escute às 7h e eu escute às 9h. Apesar de ter um horário fixo, ele deixa de ser um marcador ‘cronológico’ coletivo, e se torna um ritual individual assíncrono.
Outro exemplo nessa linha é a The News, newsletter presente em 90% das caixas de emails de publicitários [dados não científicos tirados da nossa bolha 😇], que carrega nas costas o peso de informar o jovem millennial, todos os dias às 06:06. Mas, de novo, apesar de estar na sua caixa no mesmo horário que eu recebo, o ritual de leitura é individual.
Esses dois exemplos ilustram um pouco essa variação temporal e gera conversa entre suas próprias comunidades. Podemos ter o mesmo hábito, mas rituais diferentes.
APROPRIAÇÃO: 3/10 embrionário
A etapa de apropriação mede variáveis que ajudam a analisar a familiaridade e proximidade da tendência junto ao contexto local, fatores essenciais para possibilitar a reinterpretação com códigos locais.
Os indicadores de apropriação da Cronologia 2.0 seguem o mesmo nível que as etapas anteriores - e isso, novamente, indica um movimento que apesar de embrionário, é consistente. Ou seja, está enraizado no comportamento geral - do mainstream ao nichado.
Para entender um pouco esses sinais de novos marcos e passagens de tempo, uma das variáveis interessantes é a c.6 Mercado Informal e produtos derivados. E aí basta uma varredura rápida para você perceber que sim, os consumidores estão celebrando novos ritos que vão de métricas nas redes sociais ao diagnóstico de transtorno psiquiátrico.
TÁ, MAS E AÍ? O QUE A GENTE FAZ COM ISSO?
A partir desse olhar, é possível a gente perceber que estamos nos relacionando com o tempo de uma forma diferente. Mas também nos mostra que nunca a gente precisou tanto de organizadores temporais e rituais. São muitas camadas que aprofundam esse porquê, por isso vamos apenas trazer um conceito interessante que se conecta com essa tendência chamado Cibertempo, do Franco Berardi no livro Depois do Futuro.
Para ele, cibertempo é “o lado orgânico do processo, o tempo necessário para que o cérebro humano possa elaborar a massa de dados informativos e estímulos emocionais provenientes do ciberespaço”. Num contexto de mundo em que as informações são ilimitadas, não há tempo orgânico para processá-las. E assim, “o presente se torna tão denso que o cérebro não pode se separar dele, não pode projetar sua experiência para fora do momento presente. […] a saturação do cérebro social pelos estímulos informativos tende a impedir isso. O futuro torna-se inimaginável.”
Vamos então perdendo essa capacidade de sentir o tempo. E cada vez mais vamos buscando esses mecanismos - tecnológicos e sociais - para organizar nossa vida e trazer significado aos dias.
Para além do papo filosófico, isso escorre para nossos os nossos hábitos de consumo. E é interessante como algumas marcas conseguiram captar essa nova relação com tempo e propor “soluções” para isso.
Um exemplo emblemático foi a estratégia da Paramount para celebrar o "Mean Girls Day", quando a marca lançou uma conta oficial de "Meninas Malvadas" no TikTok com o filme completo dividido em 23 partes.
Mais que uma estratégia de canal, é sobre compreender essa nova relação de temporalidade do público que querem atingir. Público esse que acha 1h30 um tempo impensável para gastar assistindo a um filme, mas super ok para ficar no TikTok. O dia continua tendo 24h, mas a forma como as pessoas se relacionam com ele não. E é nesse sentido que marcas precisam se adaptar.
Por que a trend Cronologia 2.0 é estratégica para as marcas no Brasil?
O fato de ser um comportamento ainda embrionário pode parecer que é algo não tão relevante - afinal “ainda é um sinal fraco”. Mas é justamente isso que nos faz dar destaque. Mesmo em estado inicial, a Cronologia 2.0 já gera mobilizações e respostas significativas como a retrospectiva do Spotify.
As pessoas estão se relacionando com o tempo de forma diferente. Mas talvez ainda faltem plataformas pelas quais possam materializar essa nova relação. É como se houvesse um calendário do consumidor e um calendário das marcas e, em grande parte dos casos, eles não se conversam. Enquanto marcas fazem o filme de Natal, o Spotify faz a retrospectiva. Pois ele entendeu que não é sobre Natal. É sobre dar protagonismo ao ano do seus usuários. É sobre marcar a relação dele com o público, independente da data.
No estudo Beyond Age - Para Além da Idade, a Kantar traz uma reflexão importante sobre os estereótipos de idade. E traz também uma proposta de Arco da Vida, que fala sobre marcos importantes como casar, comprar apartamento.
https://kantaribopemedia.com/conteudo/estudo/beyond-age-para-alem-da-idade/
A tendência Cronologia 2.0 entretanto vem nos mostrando que esses marcos passam a ser muito mais individuais e diversos. Comprar um apartamento é um marco tal qual atingir o marco de 50 milhões de seguidores. E se você é uma empresa de Telecom, talvez seja mais importante você ajudar seu consumidor a celebrar esse marco digital do que a casa nova.
Como colocar a tendência na prática?
A tendência Cronologia 2.0 é uma oportunidade para repensar as obviedades de calendário [sua marca precisa mesmo fazer um conteúdo de Páscoa? 👀] e buscar novas formas de abordar a passagem do tempo. Se as pessoas estão buscando novos rituais para marcar o ano, é hora de pensar como a sua marca pode contribuir para isso.
Não se trata de ignorar rituais antigos, mas de entender que existe uma nova relação temporal para qual as pessoas estão buscando dar vazão. Marcas que conseguirem potencializar e viabilizar esses movimentos, passam a ter mais relevância. E isso pode ser feito das mais variadas maneiras:
COMUNICAÇÃO:
Os marcos de tempo ajudam a trazer segurança emocional e reduzir ansiedade, sejam no micro (a hora de dormir) ou no macro (se aposentar aos 65). Num contexto em que quase tudo se torna incerto, o indivíduo passa a buscar novas referências que o ajudem a se localizar e ter senso de futuro e realização. A comunicação é um recurso poderoso para participarem desse novo calendário individual dos seus consumidores, se tornando marcadores de tempo.
🎲 77% dos consumidores latinos gostam muito quando marcas e empresas fazem conteúdos com retrospectivas do ano, pois é uma forma de marcar a passagem para uma nova fase.
Fonte: Trop Trends 2023 - 1650 casos (Brasil, México e Colômbia)
Já falamos dele hoje, mas um exemplo a ser observado é o Ifood que traz uma estratégia de presença na rotina louvável.
Um pouco mais formal e aproveitando o clima de final de ano, tem a Vivo, que ao invés de falar de Papai Noel, vem com Denise Fraga nos convidando a viver no nosso tempo :
PRODUTO:
Não se trata de ter um produto para cada data [tipo o tênis do dia da mulher 👀], mas sim de cada vez mais encarar o produto como uma forma de criar marcadores temporais na rotina do consumidor, ajudando-o a criar novas formas de se situar e celebrar o tempo.
É uma oportunidade também de entender esses novos marcos e ajudá-lo a tangibilizar passagens importantes da vida, que não necessariamente entram no calendário do varejo. Um exemplo é a Pantys, que tem uma seleção de produtos pensados para a 1ª menstruação.
https://www.pantys.com.br/collections/grls-primeira-menstruacao
MODELO DE NEGÓCIO:
Cada segmento e indústria possui seu calendário e suas variações: a moda alternando entre vitrine de verão/inverno, a alimentação com ovos de Páscoa e panetone, e tantas outras por aí. A questão que fica por aqui é: o quanto esses marcos são relevantes - de fato - para o seu consumidor?
Trazer a Cronologia 2.0 para o modelo de negócio é refletir sobre os movimentos da indústria que são convenções setoriais e que talvez já não se conectem com o consumidor, entendendo que existe uma nova relação com os dias e rituais.
Pra fechar, uma pergunta que a gente ouve sempre que fala de alguma tendência é: QUANDO ISSO VAI ACONTECER?
A gente falou isso na edição passada e falaremos em todas as demais: esse comportamento emergente também JÁ ESTÁ ACONTECENDO.
Em Trop, acreditamos que o futuro não é uma linha e chegada a ser cruzada, como algo distante que de repente nos encontra. O futuro é o reflexo daquilo que vivemos hoje. Portanto, os sinais emergentes são evidências atuais que indicam para a consolidação de comportamentos do amanhã. Algumas tendências, mais embrionárias, levam mais tempo para se consolidar. Mas uma vez monitorada pelo Radar, é prova de que o comportamento já está no subterfúgio social, permeando em diferentes esferas , por isso, oferece uma boa oportunidade para marcas.
A busca incessante por chá revelação de tudo + uma retrospectiva presente em 170 países e celebrada mundialmente por consumidores de tantas realidades são sinais importantes que já indicam um novo comportamento que vem tomando força. E quem espera a tendência se consolidar para agir, corre o risco de perder o timing. Portanto, se o futuro já está sendo desenhado, seu plano de atuação também precisa ser.
Por hoje é só, pessoal.
E já que é final de ano e o assunto é tempo, não podemos deixar de citar Caetano e desejar que todo mundo consiga tirar umas férias radicais 😊
Nos vemos em janeiro, com mais sinais de futuro 🙂
WOW. Obrigado por compartilhar!