#10 Trop Drops | Realidade Ilusória
Formigas online, viagens xamânicas em goma e os devaneios de Emily in Paris são apenas a ponta de um grande iceberg chamado Realidade Ilusória.
Trop Drops é um conteúdo mensal para nossos assinantes acompanharem sinais de comportamentos emergentes a partir do Radar de Tropicalização - metodologia exclusiva de Trop para mapear e localizar tendências, que você pode conhecer em detalhes aqui :)
"Estar lúcida pode ser perigoso porque nos confronta com verdades incômodas e profundas sobre nós mesmos e o mundo ao nosso redor."
É através de Rosa Montero que vamos partir pra nossa tendência de hoje, que começa com um grupo onde 1,7 milhão de pessoas simulam a vida de formigas. Essa é a proposta do grupo de Facebook chamado A group where we all pretend to be ants in an ant colony. Criado há 5 anos, conta com publicações diárias como "A rainha precisa de 5 cubos de açúcar". E para as formigas que não falam inglês, habemos a versão em português, com mais de 250 mil participantes. Mas já vamos avisando que formigueiro não é bagunça: tem até regras de escrita.
Dos formigueiros para as gôndolas clandestinas da deepweb, vem aí as gomas de ayahuasca. Para além da procedência duvidosa, o que chama atenção aqui é a ideia de transformar uma viagem de ayahuasca — uma experiência cósmica tipicamente vivenciada em um ambiente cerimonial conduzida por um xamã treinado - em um deleite casual no meio da tarde. As gomas prometem a experiência completa, incluindo a náusea.
E falando em náusea, Emily in Paris 🤭. Brincadeiras à parte, desde a sua estreia, a série vem performando muito bem, com números que comprovam sua popularidade. Mas o fato é que a série que acabou de chegar na sua 4ª temporada tem muito a ver com o grupo de formigas online com a gummy xamânica porque, do seu jeito, também nos leva para uma viagem em um universo paralelo de looks incríveis, cenários inspiradores e insights que brotam a toda hora sem esforço.
Esses sinais poderiam ser isolados, mas se conectam por um mesmo contexto: um mundo em crise constante com uma população cada vez mais desgastada emocionalmente onde perceber, encarar e vivenciar a realidade com precisão se torna cada vez mais difícil. Como resultado, vamos ansiando por soluções [ou ilusões?] que ajudem a aliviar um pouco tudo isso.
Para entender melhor sobre a tendência vamos decupar os resultados mapeados no Radar:
Uma das variáveis que analisamos dentro da etapa de imaginação são os movimentos globais. E é aí que chegamos no Shifting, palavra que ganhou as redes lá na pandemia e que segue ativa por uma comunidade adepta global e numerosa, especialmente entre os mais jovens. O shifting vem da expressão em inglês 'reality shifting', ou mudança de realidade, e o objetivo é transcender a mente para um cenário paralelo, que pode ser o de filmes, livros ou séries famosos. Os praticantes acreditam que é possível elevar o subconsciente até um plano diferente e nele viver experiências tão reais quanto as que vivemos. Só no TikTok, são mais de 2,5 milhões de conteúdos e bilhões de visualizações, que vão desde explicar o conceito até relatar experiências. Se funciona ou não, é muita gente interessada em fugir da realidade 👀.
E já que o assunto são realidades paralelas, por que não passar um tempo se aventurando como um gato de rua que precisa desvendar um mistério ancestral para fugir de uma cidade cyberpunk esquecida e encontrar o caminho para casa ?
É essa a proposta de Stray, jogo indie lançado em 2022 e que esse ano chega para Nintendo Switch. O jogo teve ótimos números que lhe renderam prêmios e um anúncio de se tornar filme.
Da cidade cyberpunk, vamos agora ver os sinais mapeados no contexto Brasil:
Tem o shifting, tem o jogo do gato, mas por aqui tem também um conteúdo de moda que desafia o status quo, com peças e estéticas diferentes da vida cotidiana. E foi essa a proposta que alavancou Malu Borges, criadora de conteúdo que acumula quase 6 milhões de seguidores e mais de 200 milhões de curtidas no TikTok e parcerias com marcas como C6 Bank, Zara, Cimed, L’occitane, Tresemmé, entre outras.
Malu Borges entra como um sinal dentro da variável Tradutores Locais, no sentido de ser uma pessoa que tangibiliza essa ideia de Realidade Ilusória para o contexto local.
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Com um jeito único de se expressar, seus vídeos de unboxing geraram visualizações estratosféricas durante pandemia [começou com a polêmica bolsa toalha] e impulsionou uma leva de creators que passaram incorporar cada vez mais o escapismo no universo da moda e da beleza.
Em outro departamento, mas ainda falando sobre Tradutores Locais, podemos encaixar a Melted Vídeos, perfil de humor queridinho da Gen Z, que mistura realidade e surrealismo e que às vezes de tão nonsense nos fazem rir sem nem entender.
Para analisar a aderência da tendência pelos brasileiros, nada como olhar para variável Indústria Cultural e Entretenimento Local e verificar como anda o nível de ilusão nas coisas que estamos assistindo e produzindo. E é aí que vamos falar do programa em que celebridades vestidas de fantasias de arara, bode e unicórnio se torna atração na principal emissora do país e acaba de ter sua 5ª edição anunciada.
The Masked Singer é um talent show, que começou na Coreia do Sul, que apresenta celebridades cantando enquanto usam fantasias da cabeça aos pés e máscaras faciais ocultando suas identidades. O programa estreou no Brasil em agosto de 2021, com a apresentação de Ivete Sangalo e a partir de 2025 terá a apresentadora Eliana no comando.
O ponto que conecta com a tendência é pensar que com tantos programas que promovem competição musical, por que justamente esse se torna atrativo? E aí, a resposta vem do Reddit, onde o próprio público fala desse capital surreal:
Traduzindo: Porque quando assisto, sinto como se estivesse drogado sem ter que tomar drogas. É como um grande sonho febril surreal e alucinante. Claro que Glen Hoddle é um relógio de pêndulo. Claro que Teddy Sheringham é uma árvore
Ansiedade, insegurança financeira, fumaça, enchente, candidatos propagando fake news, novo surto de varíola... ser brasileiro em 2024 é manejar constantemente uma realidade muitas vezes não muito palatável.
🧐 No estudo “World Mental Health Day 2023”, realizado pela Ipsos em 31 países, os números mostram, no geral, que o brasileiro se sente mais estressado que a média global das nações pesquisas (58%). E é nesse contexto que a tendência da Realidade ilusória se faz estratégica, pois marcas que oferecem produtos e serviços voltados para o alívio e o escapismo se tornam extremamente relevantes.
Somado a isso, temos o fato de que é uma tendência com capacidade de se conectar com diferentes categorias de mercado. Seja na moda, com roupas e acessórios que transportam o usuário para outros mundos; na tecnologia, com realidade virtual e games imersivos; ou até mesmo na indústria farmacêutica, com produtos que promovem o bem-estar emocional, o escapismo oferece uma vasta gama de oportunidades para marcas que desejam se destacar e atender às necessidades emergentes dos consumidores brasileiros.
Para transformar a tendência da Realidade Ilusória em ações concretas, é essencial que marcas e negócios pensem além do óbvio e se conectem profundamente com o desejo humano de escapar, experimentar e reinventar. É sobre oferecer aos consumidores não apenas algo para consumir, mas sim uma porta de entrada para novas experiências e realidades.
Na comunicação, a chave é transportar o público para lugares onde o ordinário encontra o extraordinário. Marcas podem contar histórias que convidam as pessoas a escaparem, nem que seja por um momento, para realidades alternativas cheias de cores, sons e sensações únicas. Pense em campanhas que não só vendem um produto, mas oferecem uma jornada sensorial, onde o consumidor se vê parte de uma narrativa que vai além do mundo físico, explorando suas fantasias mais íntimas e desejos não expressos.
E para ilustrar isso, nada melhor que citar Jacquemus e suas campanhas que extrapolam o nicho da moda ao inserir produtos em contextos surreais, como bolsas gigantes no centro de Paris ou no meio do oceano.
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Quando falamos de produto, a Realidade Ilusória abre portas para criações que transcendem o óbvio. Imagine cosméticos que não só embelezam, mas que também divertem; roupas que mudam com o humor ou ambiente; ou até gadgets que permitem personalizar seu próprio universo. A ideia aqui é oferecer ao consumidor a chance de escapar do cotidiano, permitindo que ele experimente versões diferentes de si mesmo ou do mundo ao seu redor, tudo com um toque de mágica e surpresa.
Aqui, podemos trazer exemplos com diferentes níveis de surrealismo.
De um lado, temos um nível alto de ilusão com a **MSCHF,** um coletivo de arte americano com sede no Brooklin, Nova York, que lança produtos controversos como uma bota de cartoon, uma bolsa microscópica ou um perfume com cheiro de produto de limpeza.
De outro lado, vemos outras possibilidades com produtos muito mais simples, muito mais demure, como o abajur que deixa o banheiro colorido e cria uma vibe diferente para a hora do banho:
Para o modelo de negócio, a Realidade Ilusória oferece diversas possibilidades, que vão desde pensar em formas de levar constantemente escapismo ao consumidor, por meio de produtos que ofereçam pequenas fugas do cotidiano, até criar experiências de compra totalmente imersivas, onde a própria aquisição se torna uma jornada sensorial. Além disso, há espaço para desenvolver modelos que capacitem outras empresas a explorar essa tendência, como fornecer tecnologias de realidade virtual (VR) ou mesmo CGI, permitindo que elas também ofereçam mundos alternativos e experiências fantásticas aos seus clientes.
Um exemplo que ilustra a versatilidade dessa tendência em termos de modelo de negócio são as empresas especializadas em jogos corporativos, onde a ludicidade no ambiente de trabalho é usada para emular outras realidades, tornando o cotidiano empresarial mais leve e estimulante.
À medida que as marcas exploram a tendência da Realidade Ilusória, elas não estão apenas criando produtos ou campanhas, mas expandindo universos e estabelecendo novas conexões lúdicas com os consumidores. Isso as posiciona em um território inédito, onde as conversas e as interações vão além do mero consumo, tocando aspectos mais profundos da experiência humana.
No entanto, essa jornada também levanta questões importantes sobre a natureza do mundo “real” em contraste com as fantasias autoindulgentes que criamos. O mundo real, muitas vezes percebido como pragmático, é visto como mais consequente — mas essa consequência é temporária. Afinal, o mundo “real” não é necessariamente mais real do que as fantasias privadas; ele é apenas a realidade que escolhemos coletivamente sustentar. E como qualquer construção, ele pode desaparecer surpreendentemente rápido se pararmos de acreditar nele.
Portanto, enquanto as marcas têm a oportunidade de transportar os consumidores para outras realidades, a reflexão que fica é: como podemos, além de oferecer essas fugas, contribuir para tornar a realidade em que vivemos melhor? Como podemos usar essa mesma criatividade e inovação que alimenta as fantasias para impactar positivamente o mundo real, ajudando a construir uma realidade que seja tão atraente e significativa quanto as ilusões que criamos? Afinal, não basta apenas oferecer um escape; é preciso também pensar em como estamos contribuindo para que o mundo real seja um lugar onde as pessoas queiram e possam permanecer.
TROP - sinais de um futuro tropical, latino e circular